O naipe de ouros, moedas, discos ou pantáculos pode ser visto como o primeiro ou como o último, depende do lado que você está olhando. Ele pode ser o primeiro no sentido de que a tangibilidade da realidade é a coisa que está mais próxima de nós: podemos vê-la, senti-la, tocá-la. Ao mesmo tempo, de um ponto de vista mais espiritual, pode entender que tudo que existe vem dos elementos abstratos e vai se aglutinando até conseguir existir, se sedimentar numa forma fixa.
O Ás é a primeira coisa fixa, tangível, tocável, a primeira coisa que existe. O Ás de Ouros é o primeiro ponto de crochê que você dá para a partir dali puxar os outros, o Ás é a concepção em que a mulher fica grávida, ele é a primeira palavra que uma criança fala ou escreve, ele é o momento em que você se inscreve num curso e faz o pagamento, o Ás de Ouros é um INVESTIMENTO TANGÍVEL, não é exatamente a troca, mas é a disposição e a decisão de efetivamente trocar. O Ás é a proposta financeira que você manda pra comprar uma casa, mas ainda não sabe se será aceita… o bebê de que eu falei ali em cima, ele pode ser perdido, ele pode ser tirado… ele é tangível mas é uma tangibilidade mínima. Existe mas quase que não existe porque precisa que as forças em torno de si o ajudem a nascer. O Ás é começar na academia ou no yoga e sentir que vai morrer, que seu corpo não aguenta, que você tem só um fiapinho de corpo. O Ás é o início do autocuidado, o Ás é a percepção das necessidades e da voz do corpo, o Ás é o estado de presença, conseguir estar dentro de si na meditação. Ele é a simplicidade e a capacidade de ver valor nela. Os valores de uma pessoa podem ser vistos também nas espadas, paus ou copas, mas aqueles que estão quase que gravados no DNA, aqueles que você aprendeu em casa, os positivos e os negativos, podem ser ases de ouros, porque apagá-los é difícil, talvez impossível. A capacidade de se sustentar, financeira e fisicamente é o Ás de Ouros. O ascetismo é o Ás de Ouros. A pobreza e a necessidade de contar cada níquel também podem vir nessa carta. A ideia de saúde, de sanidade, de estar completo em si pode vir daqui também.
E quando a idéia da unidade não contém mais o Ás, quando ele não cabe mais numa semente e vira árvore, flores e frutos, o miniuniversinho tangível estoura em dois. Uma coisa se divide em duas e por serem agora diferentes e o caminho é que se diferenciem cada vez mais. A unidade é quebrada para que haja permanência, para que as coisas cresçam. A unidade, no mundo físico, é ilusória ou quase intangível, imperceptível. No 2 de ouros temos recebemos a informação de que a realidade que é tangível e que é o elemento mais estável, ela muda. Ela é impermanente, mesmo as coisas que estão paradas estão na verdade andando, mas a um ritmo pequeno que olhos grandes não enxergam. Colocar sua foto de hoje ao lado da sua foto aos 3 anos e ver na criança o adulto que você seria e ver em você os traços da criança. Mas você não é mais ela, mas ela existiu, tangível, mas agora está no passado. A troca de um dinheirinho ou um trabalhinho por uma mercadoria. O trabalho que vira dinheiro, o dinheiro que vai pro mercado. A transformação, a alquimia do elemento fixo dos naipes mora nessa carta em que uma coisa vira outra. Uma vez me disseram que essa carta poderia representar os quadris, esse lugar móvel do esqueleto.
E se movendo, se mexendo, investindo força de ação se produz trabalho que é a existência estruturada, as repetições, os refinamentos, uma família que está indo pro terceiro filho e já conhece o jogo. Um músico que já sabe tocar o suficiente pra conseguir improvisar. Sua formação. O que você vende. O que você oferece para a sociedade. A solidez que ganha tudo aquilo em que você investe muita energia. A parte física das egrégoras, a produção de energia gerada pelos corpos físicos, a ação que esses corpos empreendem sobre a realidade, o peso da vida adulta, obrigações e rotinas, estudo enquanto acordar, levantar, se banhar, vestir, ir pra escola, socializar, estudar, o conjunto todo pode ser visto nesse 3, a ação enquanto um conjunto.
Movimentando e modificando a realidade, fazendo trocas e alianças o 3 vai estruturando as coisas até virar o 4, que seria uma casa? Uma escola? Um templo? Estruturas físicas que acabam por gerar micro-estruturas sociais que geram egrégoras… uma coisa de terra que gera uma coisa de água que gera uma coisa de fogo… o quatro é quando a semente que eclodiu no ás vira uma planta completa, com caule, folhas, flores, talvez frutos. O 4 é observar dia a dia o crescimento de uma planta, o 4 é observar dia a dia o crescimento de uma criança, o é também a falta de noção do real crescimento da coisa porque você vê todo dia… então nem nota. O 4 é a estrutura social, o 4 é a existência de castas embora todo mundo diga que castas não existem, o 4 são as pressões sociais tácitas e internalizadas como reais para que todo mundo fique no seu quadrado, para que a base da pirâmide permaneça exatamente onde está. O 4 é a tradição em todo o seu poder plasmado pelo tempo e em toda a sua breguice empoeirada de velharia. O 4 é a possibilidade de abrigo seguro durante a tempestade.
O 5 de Ouros é desorganização repentina que joga toda a construção do 4 por terra. É uma mini-torre sem fogo. É uma construção que rui, é aquelas briga em que se quebra dentes, se quebra braços. É a violência institucionalizada como ferramenta, você sabe como é, o mundo é tão duro, cada um que se prepare. É a gente aprender como violentar. É um gasto grande, às vezes servindo como uma válvula de escape. É um chupão que deixa uma mancha roxa. É uma colheita que é perdida pela geada, é uma raposa que entra num galinheiro. É aqueles barulhos de noite na roça que só pode ser espríto, você se arrepia inteiro e reza para todos os deuses nos quais você não crê. É uma carteira batida, é um furto, é você perceber que largou uma das suas sacolas no supermercado, é aquela sensação de suspensão da existência quando você pensa que perdeu seu celular, é o momento em que falta luz e apaga tudo mas volta rapidinho, só que a internet cai. É o pagamento dos impostos, é ser abordado pela polícia.
No 6 a tensão do 5 se dissipa de pouco em pouco se reestruturando em algo ainda mais sólido que o 4 que você pensava que era a solidez mais sólida. Na estabilidade do 4 todos os ovos da cesta estão colocados no externo, na realidade, no mundo material, mas no 6 a estabilidade não é drenada de nada externo mas do centro de si mesmo, do eu, da essência, da tal partícula divina que dizem aí que se tem. O 6 são frutos tardios e maduros do que foi feito na fase do 3, o 6 é a delícia dos taurinos, virginianos, capricornianos. O 6 é uma segurança tão profunda que parece ser infinita. São as sensações causadas pelos 6 que acometem as pessoas de ataques de esperança.
E no 7 tudo se desorganiza de novo e toda a estruturação e segurança vão pro barro porque o paraíso não tem um prazo de validade exatamente bom no naipe da realidade. Aqui somos invadidos por todas as movimentações do mundo sensível, da água, as boas e as ruins. E a única forma de lidar com isso é sendo paciente e amoroso consigo mesmo e retomando o trabalho de retornar ao equilíbrio, que a gente sabe que não voltará porque as coisas quebraram. Mas insiste-se.
No 8, e só no 8, deixamos de ser otários e aprendemos a dança dos limites, entendemos quais portões podem ficar abertos e quais devem ser fechados. No 8 aprendemos a manusear a praticidade como uma arma. No 8 conseguimos treinar a nós mesmos como se treinam cachorrinhos e ficamos espantadíssimos que funcione. No 8 estamos envelhecendo mas também ficando mais espertos.
E novamente chega o ganho, as frutas junto com o 9. Muitos números da terra vêm com frutas, mas esse aqui é o maior certo de frutas com uma variedade imensa. E tanto aqui como no 10 as coisas vão para além da materialidade e falam também do que se chama de prosperidade, que é algo além do dinheiro: tem mais a ver com a capacidade de gestar de gerar frutos. É um naipe feminino.
No 10 esse certo de frutas se torna um pomarzão de todas as árvores com todos os frutos e muitos podem se alimentar do que nasce ali a cada estação frutífera. É tanto, que alguns frutos não são comidos e caem e podres e suas sementes encontram a terra e, de novo, o Ás.