Fixidez: uma condição efêmera
Quando eu rompi com o mestrado - uma decisão difícil para quem pensava em investir seriamente na carreira acadêmica - fiquei praticamente um ano procurando emprego morando na casa de uma tia enquanto enviava currículos para todo lugar e estudava para concursos públicos. Mandei centenas de currículos para escolas, empresas, ONGs e comércios, tendo sido convocado para uma única entrevista na start-up de um rapaz que me conhecia porque havíamos estudado na mesma universidade. Não passei. A minha frustração, naquele ponto, já havia superado os limites do saudável, e tudo o que via pela frente era um futuro cinzento, especialmente por estar desconfortável onde eu vivia, pois tinha que suportar um tio homofóbico. Nesse tempo, eu já vinha atendendo como astrólogo, mas os clientes eram esporádicos e o dinheiro que entrava era pouco para eu poder me sustentar. Astrologia era algo que fazia por amor e, de quebra, trazia-me algum ganho extra, mas investir naquilo como carreira? Impensável! Eu queria algo que me mostrasse quanto eu iria receber por mês para eu poder planejar minha vida com base nessa garantia. Em determinado ponto, decidi gastar todo o dinheiro que economizei num intercâmbio de um mês em Budapeste, na Hungria, onde eu trabalharia num hostel em troca de hospedagem e café da manhã. Lá, conheci a Lid (@partiuviajarblog), que havia largado seu escritório de advocacia para percorrer o mundo e viver de seu blog de viagens. Compartilhando minhas angústias com ela, Lid me disse uma coisa que virou uma chavinha interna e mudou minha cabeça para sempre: "Guilherme, não existe estabilidade." Isso bateu forte em mim, pois a vida toda imprimi minhas energias em atividades que me trouxessem segurança até o momento que interrompi meu mestrado por razões que não cabem aqui. Nesse momento, percebi que estava numa procura incessante de um trabalho que me proporcionasse certezas enquanto deixava de perceber que o que eu já fazia - a Astrologia - era tudo o que eu precisava para conquistar minha independência. Eu tinha o privilégio de exercer minha vocação, algo que muitos passam a vida toda procurando, mas não a via como um caminho seguro, pois estava limitado por uma crença de "como se deve garantir o futuro". Um desperdício! Quando voltei ao Brasil - depois de uma transformadora experiência em Budapeste - passei a depositar uma fé que antes não tinha em meu trabalho, e exatamente um mês depois do fim do intercâmbio comecei a receber uma clientela crescente e constante que me permitiu, desde então, viver de Astrologia. Posso não ter décimo terceiro, férias remuneradas e salário garantido, mas nada disso me assusta mais, pois entendi que aquele ideal de estabilidade não existe em lugar nenhum senão de forma provisória. É claro que há apostas mais estáveis do que outras, porém o destino é mais criativo do que nossas inseguranças, então se ele tiver que virar sua vida de ponta cabeça e lhe tirar de um cargo no Banco do Brasil, acredite, ele tira. Não cometamos o pecado da hybris de desafiar os deuses! Mas não estou dizendo isso para desincentivá-lo a procurar uma vida estável e muito menos para diminuir a importância do sonho de ninguém, não me entenda mal. Meu intuito é somente provocar uma mudança de perspectiva: ao invés de vivermos em função de um ideal de estabilidade absoluta, talvez seja mais interessante cultivarmos uma estabilidade vívida, remanejada dia a dia num projeto de existir com coragem e fé.
Eu visitando a Lid em Ouro Preto, MG
Saindo do panorama biográfico, vamos conversar agora sobre estabilidade pelo viés astrológico. Como aprendemos desde o início dos nossos estudos, estabilidade é um assunto de Saturno, o primeiro astro da ordem caldaica, cujo um dos papéis é criar (e manter) as estruturas do mundo material. Sem Saturno, não teríamos nem chão para pisar nem corpo para viver. Nós aprendemos que o significador do corpo, na Astrologia, é a Lua, mas para ser mais preciso a Lua representa o corpo que recebeu o sopro da vida: o corpo animado (anima - alma). A fisicalidade em si, seja ela num corpo ativo ou num cadáver, é de Saturno. Não por acaso, Saturno está relacionado tanto ao Ascendente (nascimento) quanto à casa 8 (morte) pela ordem caldaica - do pó viemos para o pó voltaremos. Nisso já observamos que Saturno simboliza tanto a retenção das forças etéricas na matéria, quanto a decomposição da matéria enquanto processo de libertação de tais energias. A estabilidade, mesmo em Saturno, é provisória. Mais do que isso, eu diria que se trata de uma estabilidade movediça.
Ora, Saturno é Cronos, o deus do tempo, dimensão que afeta a realidade material frente ao evo do mundo espiritual, onde todas as coisas acontecem simultaneamente. E só faz sentido falar em tempo quando há passagem, transitoriedade. Se tudo fosse eterno/imutável no plano denso, não haveria tempo. Por isso, é extremamente sagaz o fato de Saturno exaltar-se em Libra, um signo móvel (você provavelmente o classifica como "cardinal", que é o termo mais conhecido), tanto por conta da passagem do tempo quanto pela impossibilidade de uma estrutura ser realmente firme se tender a uma fixidez absoluta. Uma maneira de imaginar isso é o equilibrista, que para se manter de pé sobre uma corda não pode deixar o corpo rígido, mas maleável para deslocar seu centro de gravidade conforme a necessidade.
Se pensarmos mais longe, veremos que mesmo os corpos celestes, em sua reconhecível estrutura, estão o tempo todo rodando e percorrendo o espaço. A Terra, para nós, parece parada, mas sabemos que é apenas uma perspectiva. Toda ordem do universo é móvel: do sistema solar às galáxias. Vale também para a vida micro e nanoscópica: as células se movem, os átomos se movem.
Se, por um lado, o astro mais lento dos céus se exalta num signo móvel (Saturno em Libra), o astro mais rápido tem sua exaltação num signo fixo (Lua em Touro). Existe uma brincadeira na astrologia de dizer que a Lua, por transitar com velocidade e estar o tempo todo fazendo aspectos no céu, é um astro cansado. Quando chega em Touro, repousa e reflete no mundo um período de calmaria. A Lua, trabalhando o tempo todo para "fazer o destino acontecer", concretiza as coisas em Touro antes de continuar sua jornada cíclica. Os signos fixos (Touro, Leão, Escorpião e Aquário), como um todo, permitem a consolidação de algo, mas Touro (o signo fixo da TERRA) faz isso com excelência. Depois tudo se dilui nos signos mutáveis.
Concluímos então que a estabilidade é a culminação do movimento. O ápice de algo é a parte mais visível e efêmera de um processo, pois uma vez atingido o próximo passo é cair como parte natural do fluxo das coisas. Por essa razão, reforço que é importante aprendermos a desfrutar da estabilidade, sem vivermos em função dela, pois a mudança é a Lei que impera em nossas vidas.
Guilherme de Carli