Convido vocês a lerem este texto com bastante calma, porque nós vamos embarcar numa jornada bem imagética. Hoje mostrarei a arte de criar um mapa hipotético a partir de uma personagem, um exercício lúdico, poético, preciso e, portanto, astrológico. Para isso, escolhi o conto sueco "A saga do Alce Skutt e da Princesa Tuvstarr", pouco conhecido no Brasil. Eu me deparei com esse texto durante uma meditação em que eu usava as cartas de um lindo tarot ilustrado por John Bauer, que foi o artista responsável por dar formas e cores à essa história.
Vou resumir o conto com minhas palavras, mas recomendo a leitura original, de Helge Kjellin.
Ilustração de John Bauer
“Entre as flores esparramadas pelo prado, está a pequena princesa Tuvstarr, alegre e reluzente à luz do sol do verão com sua coroa e seu pingente de coração. Saíra de fininho do castelo para aproveitar o ar livre, sem que seus pais, o Rei e a Rainha, ficassem sabendo. De longe, avista um alce relinchando, e ela lhe pergunta:
- Quem é você?
- Sou Skutt de Longas Pernas e você?
- Tuvstarr, a princesa. Olha! - responde, mostrando-lhe a coroa.
Conversam mais um pouco e Tuvstarr, toda animada, pede ao alce que ele a deixe montar em seu lombo para carregá-la mundo afora. O alce hesita, dizendo que o mundo é muito perigoso para uma criança, mas como ela continua a insistir, o alce acaba cedendo. Começam então a marcha rumo à Floresta do Pântano onde vive Skutt. Já no caminho, Tuvsttar fica com fome e sono, então o alce lhe oferece algumas frutas silvestres para comer. Seguem o caminho, enquanto escurece cada vez mais. Até que em dado momento Tuvstarr percebe um agito logo a frente.
- Quem são aqueles dançando? - pergunta a princesa.
- Aqueles são elfos. São belos e amistosos, mas nada confiáveis, portanto tenha cuidado com eles: não converse com nenhum, apenas finja que eles não existem.
Os elfos, entretanto, os avistam e começam a voar em ciranda ao redor dos dois, puxando os longos cabelos loiros da princesa e perguntando aos montes "quem é você? quem é você". O alce acelera, mas os elfos acompanham, até que Tuvstarr não aguenta mais e grita com eles, esquecendo-se da recomendação de ignorá-los. Neste instante, descuida de sua coroa e os elfos a roubam, levando o objeto para longe. "Oh não, minha coroa!". Era tarde demais.
Skutt dá-lhe uma bronca e continua o trajeto até chegarem ao abrigo. Lá, sob o céu estrelado, adormecem. No dia seguinte, pela manhã, retomam a aventura pela floresta e Tuvstarr decide tirar seu vestido para aproveitar a natureza. Em dado momento, nota alguma coisa se mexendo entre as árvores, e curiosa, pergunta ao alce o que poderia ser aquilo:
- Ah, é a Ninfa da Floresta – diz Skutt –, seja educada, mas não pergunte nada e, acima de tudo, não solte as mãos da minha galhada.
A Ninfa, de olhos verdes e boca vermelha de sangue, aproxima-se discretamente e pergunta à princesa:
- Qual é o seu nome?
- Tuvstarr, princesa do Castelo dos Sonhos. – responde timidamente sem perguntar-lhe o nome de volta.
- O que é o que você traz diante de si? – pergunta a Ninfa.
- É o meu vestido mais lindo!
- Ó, posso ver? – pergunta a Ninfa.
- Sim, claro que pode. – E Tuvstarr solta uma mão da galhada e mostra o vestido. A Ninfa, de súbito, agarra a vestimenta e desaparece na floresta.
- Eu não lhe falei para não soltar as galhadas? - resmunga o alce - Se tivesse soltado as duas mãos, teria sido levada junto com o vestido!
Adormecem em outro abrigo e, no amanhecer, Skutt levanta às pressas, como quem fareja o perigo, e já pega a Tuvstarr para seguirem em frente. Com velocidade, adentram uma parte escura da floresta, onde fica um daqueles lagos escuros e misteriosos.
- Segure-se firme e segure bem o seu coração. - alerta o alce referindo-se ao pingente da princesa. Mas a garotinha, muito curiosa, inclina-se para observar a água e seu colar escorrega pelo seu pescoço, perdendo-se no fundo do lago. Imediatamente, desce do lombo do alce e começa a procurar seu precioso adorno. Skutt diz:
- Vamos Tuvstarr, não há tempo, é perigoso permanecer aqui!
- Vá você sozinho, e me deixe sozinha. Vou encontrar o coração. - dá um beijo no focinho do alce e senta-se na relva, observando o fundo do lago. O alce, então, vira às costas e vai-se embora, sempre retornando para observar a princesa, que permanecia lá, parada, olhando para o lago que guardava seu coração em suas profundezas. Até que um dia, não era mais a princesa que estava ali, mas uma flor branca, daquelas que crescem às margens do lago. Os suecos a chamam de Tuvstarr.”
E assim, de forma triste, encerra-se a história com Tuvstarr, para sempre perdida, à busca de seu coração. Eu confesso que fiquei chateado com o fim e um pouco obcecado em encontrar um sentido que não fosse o mais óbvio: a ideia de que deixar a casa é um caminho sem volta, um caminho de perdição. Acho que é quase isso. Eu diria que deixar a casa (e aqui não se resume à família, mas à comunidade em seu sentido amplo) é um problema quando não estamos prontos para arriscar perder aquilo que nos foi colocado de fora como suporte ao nosso eu em formação. Quando Tuvstarr, em sua inocência, não segue as recomendações de Skutt e deixa-se ser afetada pelos habitantes da floresta, estranhos a ela (e ela estranha a eles), o "outro" confronta sua presença e suas certezas (externas) vão se esvaindo uma a uma, não havendo uma certeza interna para lhe manter íntegra. Primeiro é roubada a coroa, símbolo de hereditariedade e poder, depois o vestido mais bonito, que permite ela se apresentar da melhor forma à sua sociedade, e por último o coração de ouro, dado no nascimento pela Rainha, sua mãe, portanto um presente que dá uma ideia de elo, uma continuidade de mãe para filha, que um dia tomaria seu papel. Quem é Tuvstarr, ainda tão pequena, sem tudo aquilo que contaram que ela era?
Bem, interpretações à parte, vamos ao que interessa: pensar num mapa para Tuvstarr com base nas informações oferecidas pela narrativa.
A personagem escolhida para transmitir a ideia do conto é uma criança alegre, curiosa e que não se preocupa muito em se perder da vista dos pais para brincar fora do castelo: a história começa com ela no campo de flores, escapulida do seu lar. Ao ver o alce, a princesa imediatamente conversa com ele, não tendo nem medo nem vergonha. Quando abordada pelos seres da floresta, não consegue se concentrar e manter-se fechada: Tuvstarr é muito voltada para o externo, estimulada demais pelo meio, portanto dou a ela o Ascendente em Gêmeos.
Ainda assim, estamos falando de um membro da nobreza. Tuvstarr apresenta-se carregando uma coroa e o título de princesa. Mercúrio, regente do Ascendente em Gêmeos, está em Leão. O posicionamento se confirma porque Leão é a terceira casa do seu mapa, setor dos arredores de onde moramos e das jornadas por terra. Não seria Tuvstarr uma aventureira nata, que quer desbravar a floresta carregando seu coração de ouro (Leão) no pescoço?
Marte em Virgem está na casa 4 do seu mapa natal conjunto ao Fundo do Céu (IC). Tal Marte no signo mutável da terra representa o alce responsável por separar (Marte, significador de ruptura) Tuvstarr de sua família (casa 4) e transportá-la para o submundo (IC). Em Virgem, o Marte está sob o poder do próprio Mercúrio, colocado na casa dos deslocamentos. Também, temos nessa posição um alce prudente e severo, mas que não deixa de ser um Marte: forte, independente, selvagem...
O Sol de Tuvstarr está em Câncer na casa 2, mostrando seus valiosos pertences ligados à uma memória. Denota também a consciência em torno de sua origem e seus deveres. A Lua, regente da 2 e dispositora do Sol em Câncer, encontra-se minguando em Touro na casa 12, local do exílio e da perdição. A 12 é um ponto cego no mapa, ali os objetos são roubados e perdidos e a própria Tuvsttar se perde, vendo-se plantada num local tão distante da sua casa. Essa Lua está fora de curso, deixando um trígono com Marte em Virgem na 4 e, depois, sem formar aspectos com mais ninguém...
A Lua em Touro na 12 também representa o alce, pois essa é a casa dos animais de grande porte e está num signo quadrúpede e ruminante canalizado por uma cuidadosa Lua. Na astrologia, é comum algo ser representado por mais de um ponto.
A Vênus, por sua vez, é vista no próprio Ascendente em Gêmeos, destinando Tuvstarr a tornar-se flor. Está conjunta ao Nodo Sul, que a desconecta de tudo, inclusive de si própria. Saturno em Peixes olha para a Vênus numa quadratura superior, lá do Meio do Céu, condenando-a à solidão e ao isolamento, enquanto faz sua fama girar em torno do mistério sobre seu desaparecimento. Contudo, ao mesmo tempo pode estar à vista de todos, só que disfarçada - ou transfigurada - na flor do lago. Júpiter, finalmente, dispõe Saturno e rege a sétima casa, os inimigos mágicos que confrontam Tuvstarr. Ele está em quadratura com Mercúrio em Leão a partir da sexta casa em Escorpião, um benéfico num signo regido por um maléfico. Ora, os elfos e a ninfa não são maus por natureza, apenas são os habitantes da floresta escura e hostil e fazem o que precisam fazer, mesmo que isso não tenha sido favorável à princesa. Júpiter em Escorpião mostra a contradição desses entes; os elfos, por exemplo, são amistosos, mas nada confiáveis, não sendo sábio descuidar-se diante de sua presença.
Espero que vocês tenham gostado dessa composição.
Guilherme de Carli
@nodonorteastrologia
Freud não explica: a carta natal do criador da psicanálise
Por Nicole Oliveira, convidada especial
(@nix.astrologia & nicole.alcebiades@gmail.com)
Quando se começa a estudar astrologia e ainda não se conhece o assunto com profundidade, tende-se a ter reduzir um pouco os significados dos planetas e das casas, sem se lembrar que uma carta natal é uma combinação complexa de personagens e aspectos que indicam os caminhos mais variados possíveis, de acordo com o contexto do nativo. Nem sempre, o regente do ascendente na casa 12 significa um nativo desequilibrado ou que necessariamente vai parar na cadeia, e estamos aqui hoje para provar.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, nasceu em 6 de maio de 1856 no antigo Império Austríco, atualmente República Tcheca, numa tradicional família judia. O ascendente do nativo é escorpião (ver mapa no fim do texto), signo fixo de água conhecido por sua profundidade e capacidade analítica, traços marcantes de sua personalidade.
O regente do ascendente em escorpião - Marte - se encontra exilado em libra na casa 12, o que nos conta muito sobre o pesquisador: Freud passaria boa parte da sua vida “preso”; em hospitais e laboratórios, na maior parte do tempo em decorrência da sua profissão (ele exerceu diversos cargos dentro da área médica) e de futuros problemas de saúde durante a sua velhice. Essa mesma casa é justamente o território de suas pesquisas: aquilo que está oculto, que escapa da nossa visão e do nosso entendimento -o inconsciente.
Esse Marte que representa o próprio nativo está sob o poder de uma Vênus em áries: temos aqui uma oposição que acontece através de uma recepção mútua entre planetas exilados e que diz muito sobre os caminhos da sua pesquisa. Se a casa 12 fala de hospitais, a 6 fala de doenças. Se esse Marte na 12 pode testemunhar neste caso sobre o inconsciente, a Vênus é um significador natural da libido, da sexualidade, das relações amorosas, e são justamente essas conexões que Freud fez para elaborar seu pensamento analítico.
A casa 10 e o Meio do Céu do nativo estão em leão e, portanto, quem nos conta sobre seu trabalho é o Sol na casa 7, conjunto à Mercúrio - seu significador profissional. o Sol procura esclarecimento, verdade; Mercúrio traz um raciocínio lógico e analítico, e a casa 7 fala sobre o outro: a psicanálise se fundamenta justamente na escuta do paciente como estratégia para cura. Freud mudaria a maneira de pensar a constituição do eu e o outro nas relações interpessoais para todo o sempre.
No que diz respeito a sua vida pessoal, há muitos altos e baixos:
O Sol no poente pode contar sobre a sua relação pouco afetuosa com o pai - fator essencial para a elaboração do complexo de Édipo.
Júpiter domiciliado na casa 5 garante excelente fertilidade: ele e sua mulher Martha tiveram um total de seis filhos. Esse Júpiter inclusive rege a casa 2 provendo boas condições financeiras ao nativo que quando jovem chegou a enfrentar algumas dificuldades financeiras. Na casa 2 também se encontra o Lote da Fortuna colaborando para esse testemunho.
A Lua na casa 8 traz o ganho financeiro dos seus atendimentos e estudos para a casa 9, a casa em que ela rege na carta natal: Freud alcançou prestígio e status acadêmico internacional, o que salvaria sua vida durante a Segunda Guerra. Mas nem tudo são flores. Essa mesma Lua nos conta sobre o exílio forçado que o médico viveu no final de sua vida com a ascensão do nazismo, quando o médico precisou se refugiar na Inglaterra para não morrer.
Saturno, o grande maléfico conjunto a estrela Betelgeuse (uma estrela que não é negativa, mas pode ser prejudicial por ser da natureza de Marte e Mercúrio) também na casa 8 rege a casa 3 - a casa dos irmãos: Quatro das suas cinco irmãs foram mortas em Campos de Concentração. Esses lugares terríveis são saturninos por excelência: terreno da escassez, da fome, da miséria, da morte anônima e degradante.
O próprio fim da vida de Freud foi bastante complicado.
O médico possui a casa 8 em gêmeos e o regente da casa - Mercúrio - está conjunto à estrela fixa Algol no signo de touro. Sendo esta estrela extremamente maléfica e associada a paralisias e sofrimentos intensos e o signo de touro associado à doenças ligadas a boca e garganta, daí compreendemos a que o condição que o levaria a morte. Freud teve câncer no palato e passou por 33 cirurgias, morrendo em decorrência do uso abusivo de morfina para conter a dor.
FREUD X JUNG
Carl Jung foi um discípulo de Freud no estudo da psicanálise que posteriormente rompeu com seu mestre devido a muitas divergências a respeito das causas das doenças psíquicas. Mas o que me chamou a atenção foram justamente algumas semelhanças importantes entre os mapas dos dois pesquisadores. Vejam só:
- O ascendente de Jung é aquário e seu regente se encontra na própria casa 1. No entanto, Saturno (planeta regente de aquário) também rege a casa 12 em capricórnio trazendo destaque para os assuntos dessa casa, como no mapa de seu mestre: A casa 12 é onde está o regente do ascendente de Freud e fala justamente de coisas ocultas, como nossa própria condição mental. Essa casa também nos remete a lugares como hospitais ou sanatórios, onde os dois médicos passariam boa parte da sua vida.
- Ambos possuem o signo de escorpião como destaque no mapa: Freud na casa 1 e Jung na casa 10. Casas angulares e, portanto, fortes. O signo de escorpião é um signo fixo, ou seja, ele tende e focar e se aprofundar num único assunto, e de água, vinculado as emoções e subjetividades. Por essas características acaba sendo conhecido como um excelente investigador dos sentimentos humanos, um requisito necessário para o estudo da psicanálise.
- Os dois possuem o sol na casa 7 - a casa do outro. E a forma como viam esse outro foi revolucionária para a humanidade. Se o Sol é aquele astro que presa pelo esclarecimento e pela verdade, estar presente na casa que fala sobre o outro nos diz muito sobre esse desejo de curar revelando ao próximo aquilo que ele mesmo desconhece sobre si.
- Ambos possuem a Vênus – significador natural da sexualidade na casa 6, a casa das doenças. Esse foi um tema importante nos estudos e tratamentos de ambos os médicos.
Mas se para Freud todos os problemas tem como causa primária a sexualidade (Vênus exilada e aflita em oposição mútua à Marte também exilado), para Jung a sexualidade não deveria ser vista somente dessa forma (Vênus em recepção mútua com a Lua na casa 4). Aqui mora a principal divergência dos dois pesquisadores. Seria tudo isso apenas coincidência?
Freud SÓ a astrologia explica.
Mapa Natal de Sigmund Freud
Mapa Natal de Carl Jung
Nicole Oliveira
Demais essa composição fictícia! Sempre ensinando muito pra gente, Gui! E Nicole arrasou nessa análise de Freud dando de bandeja essa conexão ao Jung!