O que há de moderno na Astrologia Tradicional contemporânea?
Cosmos, 1583 (Biblioteca Nacional da França)
A Astrologia está presente no mundo há pelo menos cinco mil anos. Desde a Antiguidade até o século XVII, a prática astrológica teve a impressionante capacidade de manter-se apoiada, em maior ou menor grau, aos seus fundamentos, ainda que tenha recebido a contribuição de diversas culturas, crenças espirituais e territorialidades entre a Ásia, África e Europa. É verdade que há diferenças importantes entre a Astrologia praticada no período helenístico daquela que vamos encontrar mais de 1000 anos depois, mas ainda assim é possível observar na abordagem dos astrólogos medievais e renascentistas uma continuidade do que foi estabelecido pelos antigos gregos, egípcios e afins. Foi só com o surgimento da Modernidade que a Astrologia, principalmente a partir do século XIX e ainda mais fortemente nos anos 60 do século seguinte, sofreu um afastamento radical de suas bases, criando o que hoje conhecemos como Astrologia Moderna, mas graças à recuperação dos textos clássicos e profunda pesquisa histórica e arqueológica, nas décadas finais do século XX e sobretudo hoje, pudemos ter uma série de materiais que permitem o retorno aos conceitos e técnicas astrológicas pré-modernas, colocando em perspectiva todas as fragilidades presentes nas leituras celestes que estavam sendo feitas até o momento. Podemos dizer, por mais engraçado que pareça, que a Astrologia Tradicional nasce na modernidade, afinal nos tempos mais remotos os astrólogos faziam apenas... astrologia, não tendo que diferenciar seu campo de estudos e atuação de um outro. Em outras palavras, o tradicional só nasce quando surge o moderno.
Mas, por mais que seja importante um esforço de, além de entender os conceitos e técnicas astrológicas do passado, também buscar uma compreensão de como eram as visões de mundo em cada fase daqueles tempos, seria pretensão o astrólogo tradicional de hoje pensar que pode fazer uma análise astrológica da mesma forma que nossas referências antigas faziam. Somos, como qualquer ser humano de todas as épocas, entes imersos em dado contexto, portanto as visões de mundo que carregamos são parte irrevogável de nossas atividades intelectuais, artísticas, filosóficas e oraculares. Acreditar que o fazer astrológico pode ser como era em suas origens é cometer, no mínimo, dois erros: um anacrônico e outro, eu diria, romântico, de pensar em termos de purismo. A Astrologia foi um saber construído ao longo do tempo, não um sistema que caiu pronto dos céus, portanto não existe uma "astrologia pura", mas sim uma astrologia fundamentada, coerente e de caráter hermético, cujos conceitos se encaixam e conversam perfeitamente entre si, sendo praticada de maneiras distintas a depender do astrólogo e de onde (e quando) ele vive.
Por essa razão, eu tenho uma preferência pelo termo "Astrologia Tradicional Contemporânea" no lugar de "Astrologia Tradicional", pois dessa forma conseguimos localizar o praticante de hoje em relação à tradição ao invés de pretender que ele adote uma ontologia da qual ele não faça parte. Além disso, é fundamental entender que existem demandas e situações hoje que não existiam em outros tempos e vice-versa, exigindo do astrólogo uma tradução flexível e adaptada dos textos clássicos, embora respeitosa à sua essência. Quando questiono, no título deste texto, sobre o que há de moderno na astrologia tradicional, a resposta é simples: o presente em que vivemos. E isso reitera o que sempre digo: a astrologia tradicional não é uma astrologia que quer voltar a morar no passado, mas que pretende entender o agora e o futuro honrando os passos que a trouxeram até aqui.
Guilherme de Carli
@nodonorteastrologia