Quando eu era um brotinho adolescente eu flertava com magia do caos. Eu queria acreditar na magia, mas morria de preconceito contra jovens (e não tão jovens) místicos. Aconteceu que uma amiga tinha um baralho da Sakura Card Captors, aquele anime de cartas pseudo-tarot muito bonitas, e tudo deliciosamente inventado. Assim de brincadeira joguei as cartas pra gente, e (não lembro exatamente os detalhes) mas essa noite todo mundo foi pras suas casas de queixo caído (inclusive eu). Até aí tudo bem, somos animais que encontram padrões em tudo; quando a gente QUER achar sentido, a gente acha. Ou assim eu me dizia…
Passou um par de anos, e por causa dos quadrinhos do Alan Moore eu comecei a flertar com o tarot. Depois de uma briga com a namorada, joguei uma cruz celta e saiu no meio - Os Enamorados cruzado com A Torre. Esse foi o ponto de virada, quando entendi que saporra funciona mesmo. Você pode até falar que eu estou construindo sentidos na minha cabeça, mas sinceramente, não vejo duas cartas mais óbvias pra sair no centro de um jogo sobre uma briga tenebrosa: um casal atravessado por uma torre desabando.
Daí pra frente eu pulei no buraco sem fundo. Hermetismo, astrologia, até o ponto que coincidências milagrosas se tornaram o pão de cada dia - e também o meu ganha pão. Os astros e o tarot tem essa aura de mistério - algo cativante, um tipo de carga simbólica. Mas também já previ o futuro lendo pixações ao acaso na rua ou abrindo as páginas de um livro aleatoriamente. Como as cartinhas de anime me mostraram lá ao início, qualquer coisa, literalmente qualquer coisa pode servir de oráculo. E ao mesmo tempo - como qualquer um que continue nesse meio pode constatar - nem toda previsão é acertada.
Esse paradoxo me faz parar pra pensar. Se qualquer coisa pode servir de oráculo, então o universo não pode ser apenas um agregado aleatório de partículas. É preciso que, de alguma forma, o todo do tempo - o universo inteirinho - esteja de alguma forma refletido em cada uma de suas partes. E ao mesmo tempo, se é possível acertar ou errar uma previsão, o universo também tem sua própria consistência. Não é apenas uma massa amorfa que se dobra a qualquer conveniência; temos de nos virar pra aprender a conversar - ou talvez bailar - com o universo. E nesse baile, faz toda a diferença se estamos tentando dançar com cartas, com estrelas ou com pixações na rua - são danças diferentes, e nem todas vão nos levar ao mesmo lugar da mesma forma - ou mesmo de uma forma conveniente.
Eu digo sempre que acertar ou errar previsões é só o primeiro passo do caminho de um "oraculista" (essa palavra é inventada, mas era uma invenção necessária). O segundo passo é se embasbacar com o fato de que os oráculos são mesmo possíveis. E daí a gente começa a se perguntar como ou porquê. Isso vai nos entregar delivery na portinha da filosofia - ou talvez da religião, duas coisas que não são exatamente separadas umas das outras. Talvez essas perguntas nem tenham respostas conclusivas, mas é impossível pra mim não pensar a respeito. Elas me parecem uma parte inevitável do fazer astrológico.
No dia a dia da minha profissão eu respondo perguntas. Sobre muitas coisas diferentes nesse mundo nosso dos dez mil seres, sobre amores e doença, nascimento e morte, raizes e abóbodas do céu. Dentre tudo isso, as minhas perguntas favoritas são as que não tem resposta: elas abrem espaço para imaginar. Nesse campo (onde as regras são as regras de outro mundo) feito apenas de imagens e potenciais, há algo de milagroso: uma potência de criação. Há imagens mais ou menos potentes (e por isso os astros, e o tarot cativam mais amplamente do que as pixações de rua, como método oracular). As mais potentes são as que colocam em curto-circuito nossa capacidade de pensar. Assim somos forçados do pensamento à dança: dos conceitos ao caos; do caos a suas energias; dessas energias, à criação.
Uma imagem que ressoou comigo vem de textos budistas - talvez vocês já tenham ouvido falar em "Teia de Indra". Trata-se de uma metáfora onde o universo é descrito como uma rede infinita feita de esferas espelhadas, perfeitamente polidas. Quando olhamos uma dessas esferas, vemos a infinidade de outras esferas refletida nelas. Não há, verdadeiramente, diferença entre cada esfera, a não ser sua posição dentro desse todo: quando as examinamos, encontramos apenas as infinitas outras esferas dentro de cada uma delas.
Talvez seja por isso que através de uma pixação, eu possa saber o futuro. As outras esferas que fazem o tempo-espaço estão refletidos na pixação também. Mas a consequência mais interessante dessa imagem, seu ponto de curto-circuito, é quando deixamos-a desafiar nosso senso de identidade.
Não há nada em uma esfera que torne ela realmente distinta das outras; é apenas sua posição no conjunto que a diferencia, mas é uma diferença apenas relativa, pois o todo está igualmente contido em cada uma das partes (& esse todo, por sua vez, não passa da soma dessas mesmas partes). No pensamento budista, isso me parece apontar para o que chamam de "anatta" - a inexistência de um si mesmo que seja independente de causas e condições, isto é, do resto do universo.
Talvez a pergunta definitiva chegue, em verdade, a reboque do "como" e "porquê". Ela é a melhor pergunta a se fazer, na minha opinião: "para quê". O que fazer da vida, e consequentemente dos oráculos, se não existe separação verdadeira entre uma parte e outra? Em teoria a resposta é simples, mas o verdadeiro desafio é dar essa resposta em ato, em tempo de vida.
Seja como for, o baile segue. Mas a qualidade da dança, com seus passos e tropeços, depende totalmente do caminho que se abre a partir das nossas perguntas. Mais do que encontrar respostas - com os oráculos venho aprendendo a arte de perguntar...